25/06/2012

A fábula

PAULO CAMINHA (*)
Jornalista e Escritor

Encontrei-a pelo caminho e nem buscando estava. Encontrei-a num desses acasos da vida, numa dessas coincidências que, à primeira vista, são agradáveis.E me deixei embevecer.Mas, deixei-me enfeitiçar por um canto de sereia, por um olhar magnético, hipnotizante, penetrante e sedutor.Estava carente e aquiesci-me às insinuações.

Encontrei-a pelo caminho. Ou era um atalho? Não importa. Encontrei-a. Sorrimo-nos tão próximos que a invasão de um desejo comum para beber-nos num mesmo beijo foi natural. A surpresa pelo inusitado e a timidez óbvia pela aproximação inesperada, reprimiu-nos daquilo que mais tarde se constituiria no primeiro arrependimento. Não houve o primeiro beijo.Esse, perdeu-se naquela indecisão, naquele medo festivo, num sorriso acanhado, com os que se descobrem na coincidência do furto comum da mesma rosa num jardim que a nenhum dos dois pertence.Foi assim... nem mais, nem menos.

Lembro-me que endeusei-a.A cada êxtase pela maravilha do espetáculo ante a divindade de cada nudez, a ilusão de uma dádiva dos céus. Tê-la nos braços para o amor era o sonho, a ilusão, a miragem do beduíno das mesmas caminhadas pelos desertos tantas vezes cantando e relembrando na mesmice cansativa do poeta. Era fantástico vê-la no meu regaço, farta, num aconchego que me comovia. Fi-la deusa e ajoelhei-me aos seus pés para orar em silêncio, dizendo minhas preces de homem apaixonado. Paixão...Falam de paixão como coisa superada, arcaica, velha, ultrapassada.Valham-me as acusações ou julgamentos! Que se danem os frios e vazios. Aqueles que se banqueteiam apenas na carne vendida ou oferecida das Mulheres de Atenas que campeiam pelo mundo do desamor. Gosto de chegar na certeza de uma saudade que me aguarda ansiosa, que me sorri, que me abre braços e lábios para as boas-vindas do andarilho do dia-a-dia.Gosto das rusgas pequenas porque elas são a ante-sala das reconciliações com sabor de novidade, de perdão, de mais paixão, como se o poeta redescobrisse o amor em cada rima que vai encontrando fácil nas querelas superadas do casal.Era assim, exatamente assim que eu pensava e assim vivia.Assumo.No dia em que não existir mais paixão dentro de mim, meu corpo jazerá inerte porque nele não haverá mais nenhum sopro de vida.Romântico... Sim, sou romântico e é por isso que ainda acredito nas estrelas e na magia do luar. Acredito nas estórias que contam os ventos rasteiros que sopram de madrugada, fazendo companhia ao homem que caminha perdido em seus pensamentos solitários.Mas me acredito um último romântico mas, se fosse, sê-lo-ia com orgulho porque é o romantismo que ainda me deixa acreditar na última esperança do mundo: o ser humano!

Romântico, levei-lhe flores. Apaixonado, compus-lhe versos e escrevi-lhes odes. Construir-lhe um pedestal e preguei sua imortalidade valendo-se da imortalidade do amor.

Depois de tudo, depois de tanto descobri que, ao contrário da fábula do Esopo, tive as uvas nas mãos. Eram realmente muito bonitas e era uvas. A diferença estava dentro, por isso, enganavam na sua aparência – as uvas estavam podres, mas não envenenaram nem acabaram o romântico e o apaixonado que o poeta teima em não deixar morrer de vez...

(*) Sobre o Autor - Paulo Caminha é Doutor em Jornalismo pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Jornalista profissional desde 1980, já trabalhou em praticamente todos os principais veículos da imprensa brasileira (jornais, revistas e redes de TV), nas funções de repórter. Atualmente, é jornalista correspondente e professor de Língua Estrangeira.

E-mail: paulo_caminha1@yahoo.com.br

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